Tenho um lugar no meu pulso esquerdo, o pulso marcado para o relógio que não uso, reservado para a minha praia.
No meu tornozelo direito onde, quando era mais nova colocava pulseiras, está reservado, talvez por isso mesmo, para os baloiços da minha infância.
Não vou falar do meu pescoço onde, em cada pedaço dele, guardo filamentos do meu casamento.
No meu dedo mindinho direito registo a saudade da casa da minha avó e no canto superior esquerdo da minha testa recordo, com imensa dor, os bifes do meu avô.
No centro, lá bem no meio deste aglomerado de células e bactérias alinhadas com alguma lógica, estamos nós.
No que não consigo ver mas também (e, talvez, especialmente) no que consigo tocar, registo o que fui, certamente o que sou e talvez o que serei.
É aqui (corpóreos e reais) que fazemos falta e é onde sentimos, com força, a falta do que já passou.
Nessas alturas, digo boa noite quando ainda é bom dia, escrevo "cobrida" quando deveria escrever "coberta" e sinto os meus olhos ainda mais pequenos do que o normal.
Não que sejam dias maus, esses em que estou (muito) cansada. Na verdade, como qualquer outro dia, têm o seu quê de início o que, de certa forma, os torna perfeitos para quem gosta de cá andar, mas são dias, esses em que estou (muito) cansada que, tendencialmente, me sinto esmagada.
Realisticamente falando, são somente um espelho do meu estado de espírito: entrego cansaço, o reflexo que obtenho é apenas desânimo.
Por vezes, estou (muito) cansada. Nessas alturas, troco os números mais parecidos (os seis com os oito ou os sete pelos uns), torno-me impaciente nas conversas que não quero ter e tenho atitudes tempestivas.
Para esses dias, tenho alguns truques - não que (normalmente) os melhorem, mas permitem-me dar um novo olhar à mesma questão: tomo um café demorado, dois, três e quatro (nesses dias tomo quatro cafés), leio as minhas frases preferidas, ouço a canção que mais gosto e aprecio dois dos presentes de que gostei mais.
Não resolve mas ajuda a reajustar-me, a encontrar (novamente) a minha cadeira, aquela onde me sento a ver passar, precisamente, os dias em que estou (muito) cansada.
Deixei Cape Town para último e andei a adiar ter que escrever sobre ela. Como fizemos imensa coisa nesta cidade, não me conseguia decidir sobre que género de informação queria passar neste texto e qual o detalhe que aqui queria colocar.
Começando pelo início:
Há anos que queria ir a Cape Town e a viagem a Moçambique foi a desculpa perfeita! Ouvia dizer que é das cidades mais bonitas do mundo (a par, talvez, com o Rio de Janeiro) e a minha curiosidade foi sempre mais do que muita. A verdade é que as expectativas, por muito altas que estivessem, não foram desapontadas: Cape Town é, de facto, uma cidade belíssima onde a beleza natural vive em perfeita harmonia com o cimento. Vou arriscar e dizer: a beleza natural nesta cidade sobrepõe-se ao cimento.
Na África do Sul produz-se vinho e, aproveitando o facto de se estar hospedado em Cape Town, é uma boa forma de ficar a conhecer algumas das vinhas do país, fazer provas e comprar uma ou outra garrafa como recuerdo.
Obrigatório é também visitar o Cabo da Boa Esperança, ver os portugueses bem representados neste local, para nós, tão emblemático.
(Cabo da Boa Esperança)
Ver os pinguins, as focas ou (fazer algo mais radical como) mergulhar com o tubarão branco também são actividades a não perder.
Não digo que o conteúdo não me afecte (erradicar o terrorismo da terra é tão real como acabar com a fome no mundo).
O seu conteúdo, no geral, é manifestamente contraditório com aquilo que sou e, mais importante ainda, com aquilo que pretendo ser. Mas meu problema não é (só) esse.
O meu problema também não é tanto o lábio que pende, quando fala. Na verdade, seria bom que o meu problema fosse o lábio que pende, quando fala mas, depois, há o (falso) cabelo amarelo (que jura ser verdadeiro) e o lábio que pende, quando fala, perde importância.
O meu problema é mais a forma. A forma. A forma sobrepõe-se, infelizmente, a qualquer conteúdo – conteúdo, esse, que reveste contornos de agressividade. Mas a forma,essa, envolve-se em mim. A forma, no final, gera-me repulsa.
Há políticos cujas ideias não são as nossas. Há (inclusive) políticos com ideias (igualmente) perigosas para a sociedade que pretendemos ser. Mas, mesmo relativamente a esses, não manifestamos o ódio da forma como o fazemos com Trump. Isto acontece porque, essencialmente, depois há Trump. Onde toda a sua figura é composta por partículas grosseiras e presunçosas (a roçar o grutesco). Onde há também um lábio que pende, quando fala. E um (falso) cabelo amarelo (que jura ser verdadeiro).
A forma. Os homens medem-se (também) pela forma como interagem com os seus pares e nunca gostei de ver frieza e superficialidade com quem se dorme.
No fim, há Trump. Ao fundo do túnel, temos Trump.
O problema, o meu problema, é este: até consigo lidar com ideias duvidosas, com histórias perigosas, com análises distorcidas - mas acho difícil que consiga lidar com Trump.
As construções dos nossos prédios são uma valente bosta. Mesmo aqueles que valorizamos com um simples “Já viste? Aquele prédio tem anos e anos e anos e nem uma ponta de humidade a escorrer pelas paredes.”, mesmo esses, têm má construção.
Percebe-se isso quando chegam as temperaturas frias (e nem precisam de ser “muito” frias). Não estamos preparados para receber o inverno.
A menos que se tenha aquecimento central, equilibradamente distribuído pela casa, a opção passa sempre por ter radiadores espalhados pelas áreas onde mais estamos.
No meu caso, existem dois. Um na sala, outro no quarto que, minimamente, dão conta do recado.
O problema surge quando queremos ir buscar um copo de água à cozinha ou ir à casa de banho.
São completas artimanhas para não nos constiparmos tal a diferença de temperatura entre a sala e a cozinha.
Isto não acontece nos países nórdicos (ou noutros países), por exemplo, onde as casas estão perfeitamente climatizadas, onde é possível andar de t-shirt e descalço em casa.
Era bom que se investisse mais neste ponto. Para bem da nossa saúde.
Não que tenha um mau fundo, não que nos queira mostrar que, de facto, quem manda aqui é ele (sobre isso, eu já sabia – escusava de adoptar - sempre - uma atitude tão assertiva), não que precise de fazer birra para nos ilustrar a sua importância.
Mas, lamento, o mundo conspira mesmo!
Porque é que falo disso hoje? Porque, recentemente, ele deu mais uma prova da sua importância.
Regressei de férias (bastante) mais magra.
Não que tenha feito algo neste sentido – nada disso. Apenas continuei no regime de alimentação (minimamente) saudável, sem qualquer esforço à mistura – juro.
Que me lembre, só dei facadinhas no álcool – vamos combinar: estava calor, as cervejas tornam-se (demasiado) apetecíveis e o vinho, na Africa do Sul, vale bem a pena.
De resto, o que me apetecia era, basicamente, peixe. Peixe e Marisco – não perguntem!
Raramente ia à carne e, quando ia, era mais porque “estás na África do Sul – é um desperdício não aproveitares esta carne maravilhosa”. Sim, para os apreciadores de um bom bife, este é o sítio ideal.
A verdade é que a carne tem um efeito direto no nosso peso. E, se eu já andava a comer pouca, a manter este registo, senti logo na diminuição do peso.
Ora, (e é aqui que entra a conspiração do mundo) cheguei a Lisboa, orgulhosa porque todos me diziam que estava mais magra (sei que foi mais manter mas… sabe bem ouvir), comecei a trabalhar e a ir ao “restaurante do costume”.
No primeiro dia de trabalho, com muitas saudades de comida “tipicamente portuguesa”, vejo na ementa Feijoada. Feijoada é só a minha comida preferida. Claro que sim, claro que pedi. Não estou de dieta (sublinho), estou num registo de alimentação consciente (para manter ao longo da vida) e, nesta perspectiva, a feijoada, sendo a minha comida preferida, e aparecendo no meu primeiro dia de trabalho, faz sentido que faça parte da minha alimentação normal.
No segundo dia de trabalho, voltei ao “restaurante do costume”, um dos pratos da ementa do dia era favas com entrecosto e enchidos. Bom… não vou dizer que é a minha comida preferida mas ocupa, claramente, o TOP 5. E lá fui eu atacar as favas.
No terceiro dia não foi massada de peixe (também está no meu TOP 5), nem mão de vaca com grão (outro a ocupar um lugar no ranking) e eu optei por uma opção mais saudável. Mais calma, mais leve, mais em linha com o que, de facto, me apetecia nas férias.
E com isto, com a conspiração, sem dó nem piedade, deste mundo, já ganhei um quilo ou outro.
No dia a seguir a visitarmos o Kruger Park, aproveitando a proximidade geográfica, demos uma volta pela zona e ficamos francamente fascinados pela sua beleza natural.
Não sei se as expectativas eram baixas (ou se as tinha sequer), o que é certo é que, em cada local por onde parava, ficava deslumbrada pelas paisagens a perder de vista ou pelas quedas de água imponentes.
Quanto ao tema segurança (que era um tema que me preocupava e, imagino eu, preocupa a quem decide viajar para este país) devo dizer que, nas zonas por onde andei, sempre me senti muito segura e tranquila. Sei que, na Africa do Sul, há locais problemáticos (muito problemáticos, para ser honesta), com alto índice de criminalidade, porém, estes locais encontravam-se perfeitamente organizados, limpos e a fluir de forma ordeira.
Recomendo imenso esta volta pois dá-nos uma ideia mais concreta deste país e das suas paisagens que são – mesmo – de cortar a respiração.
- Continuo a carregar no botão para tirar o café sem chávena lá por baixo;
- As portas continuam a abrir-se sempre para o lado errado (ou, então, sou eu que leio as placas todas ao contrário: empurro quando é para puxar; puxo quando é para empurrar).