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(in)sensatez

por Catarina Duarte

(in)sensatez

por Catarina Duarte

06.04.16

Sobre a morte.

Catarina Duarte
A morte é um pedaço valente desta arte de viver. E vai mesmo acontecer num determinado dia, num dia rigorosamente igual ao anterior em que, provavelmente, vamos acordar, vamos tomar o mesmo banho de todos os dias e o pequeno-almoço do costume, vamos cumprimentar os nossos mais que tudo, vamos avançar para a viragem das horas e não vamos concluir qualquer (...)
01.03.16

O meu imposto sucessório.

Catarina Duarte
O meu imposto sucessório, aquele de que toda a gente fala, já o tenho medido e assumido desde há muito. Podia queixar-me publicamente da existência política do mesmo mas sobre isso, neste espaço, por enquanto, remeto-me ao silêncio. O imposto sucessório que hoje aqui trago, o meu, aquele que já foi aferido e calibrado, reveste sempre a forma de saudade quando ouço fado e me lembro da minha avó. Não consigo explicar melhor, mas se eu tenho que pagar alguma coisa para ficar com (...)
28.02.16

As Lisboas que não são Lisboa.

Catarina Duarte
Escrevi Lisboa mas podia ter escrito Porto, Coimbra, Braga ou outra qualquer cidade, vila ou aldeia. Escrevi Lisboa por ela ser minha. Minha e de todos os meus amigos que a largaram. Fazem-me falta, todos os dias, as Catarinas, as Anas, as Ritas, os Pedros e tantos outros, que empacotaram as suas roupas, sorriram para os seus passados, meteram-se no avião, cheios de esperança e vontade, e largaram rumo ao incerto. Deixaram para trás os seus pais, os seus irmãos, os seus amigos, as (...)
12.02.16

A felicidade pode vir num pedaço de guardanapo.

Catarina Duarte
Há coisas que me tornam uma pessoa feliz e não são assim tão poucas quanto isso. Podia falar do sorriso dos meus filhos mas não tenho filhos. Podia falar da suave brisa matinal, que me entra pela janela do quarto, mas, de manhã, a minha disposição não me permite apreciar nada. Podia falar dos abraços do meu marido mas, embora seja verdade, não tenho por hábito escrever, de uma forma direta, sobre o amor, sobre a felicidade, sobre a amizade, sobre todos esses nobres sentimentos (...)
29.01.16

Há pessoas que vivem amachucadas pelo tempo.

Catarina Duarte
Há pessoas que vivem amachucadas pelo tempo. Endireitam-se como podem mas não conseguem arrumar a solidão que, pesadamente, transportam às costas. Gosto de analisar quem me rodeia, embora nem sempre o faça – por preguiça mas, essencialmente, porque me encontro, demasiadas vezes, num estado de êxtase só meu, onde vou adormecendo e acordando sem ninguém dar conta. Mas, como dizia, se o meu estado semi-consciente não fosse tão presente, gostava de investir mais tempo a (...)
14.01.16

Ninguém sabe o seu nome.

Catarina Duarte
Ninguém sabe o seu nome. Ele flui calmamente pelas ruas de Lisboa, tão incolor como o rio que lhe serve de vista, dia após dia. Ninguém sabe o seu nome. E isso permite-me imaginar as vidas por detrás da dele. Ninguém sabe o seu nome. Vejo-o sentado, manhã após manhã, numa arcada grandiosamente emoldurada ao pé da Praça do Comércio. Ninguém sabe o seu nome. E, recostado na umbreira fria da porta, todos os dias, dia após dia, manhã após manhã, quando o vejo, lê o seu (...)
10.01.16

Cacto.

Catarina Duarte
A minha tia, nos finais de Novembro, ofereceu-me um cacto com flor, num vasinho vermelho, com um pau decorativo em formato de árvore de Natal. Eu, pouco habituada a andanças de jardinagem e muito habituada ao controlo peremptório das coisas, perguntei-lhe fria e directamente o que teria que fazer, para que este cacto que, aparentemente não necessitava de água nem de cuidados extremos, não terminasse como acabam todos os bonsais e outras flores desta vida, quando dependem apenas das (...)
03.12.15

Curtas - São instantes visíveis de figuras suspensas no tempo.

Catarina Duarte
Da janela da cozinha da minha casa, mesmo quando estou sentada no sofá da sala, consigo ver, no alto do prédio da frente, uma casa envidraçada. Refiro muitas vezes, que os seus donos devem ter no seu temperamento a mesma medida de transparência que os vidros que lhes emolduram a casa têm. Do sítio onde estou sentada, do sofá da minha sala, através da janela da cozinha da minha casa, vejo já a árvore de natal a piscar, com as suas luzes a pestanejar compassadamente. Vejo também (...)
25.11.15

Curtas - Agora podia tornar todas as feiras da semana em belos fins.

Catarina Duarte
Ele vivia cansado pela espera. Todos os dias aguardava mais um pouco, enfeitiçado pela hora que demorava a chegar. Dia após dia velava exausto pela altura em que se iria reformar. Há já muito que tinha reduzido o seu ritmo de trabalho, numa tentativa de, pensava ele, não sentir tanto a passagem de uma altura para a outra. De fora veio, sob a forma de um convite camuflado de boa vontade e preocupação, o empurrão prévio, com um "o Zé pode passar a ficar mais por casa, enquanto não (...)