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(in)sensatez

por Catarina Duarte

(in)sensatez

por Catarina Duarte

Seg | 10.03.14

Somos mesmo um país de gente amante do sol.

Catarina Duarte

É sentir os primeiros raios a tentarem passar desnorteados pelas brechas das árvores, a morderem-nos as bochechas sedentas de calor e a beijarem-nos a alma ressacada de chuva, que corremos todos porta fora, concretamente aviados com óculos de sol, umas revistas soltas, o jornal Expresso comprado de manhã, um livro de bolso que andamos a morder nos intervalos da nossa vida e base adicional colada à cara (que, bom tempo é bom, mas a camuflagem das nossas imperfeições ainda tem um lugar de destaque na nossa disposição).

Somos mesmo um país de gente amante do sol.

Qui | 06.03.14

A sede de bodes expiatórios.

Catarina Duarte

Não sei muito bem a razão, se por sermos um povo sofredor por natureza, mais agarrado ao fado do que a qualquer outro samba, se por possuirmos mais sede em dilatar sentimentos do que em perdurar com sensatez, mas a verdade é que, aqui, neste belíssimo ponto à beira-mar plantado, conseguimos com mais rapidez arranjar bodes expiatórios para justificar falhanços pessoais do que força para tornar este local (no geral) e a nossa vida (em particular) um bocadinho melhor.

Qualquer infeliz investida atirada por uma, não menos infeliz, pessoa, que teve, infelizmente, a infelicidade de estar à hora errada no sítio errado, torna o nosso infeliz mundinho no mais feliz desfile carnavalesco.

Qualquer conversa, por mais corriqueira que a mesma seja, faz com que nos munamos dos mais mortíferos misseis, faz os mais incerteiros rejubilarem pela pontaria recentemente adquirida e torna como objectivo primordial que os alvos a abater se estatelem no mais ruidoso tombo.

Depois, se aumentarmos o nosso leque de análise, saindo do nosso redondo umbigo, se nos dedicarmos a episódios que fazem as melhores sobremesas noticiosas que vemos nas redes sociais, vemos que a cena se repete, ad eternum, com um meio que compreende a intolerância e um fim que se define como esquecimento.

Quantos bodes expiatórios são precisos? Na política, na moda, na arte, escrita, pintura, desenho, nos blogues? Na nossa vida? Ontem foi a outra da mala Chanel, hoje é o músico que decide ir viver para o Brasil, aos 60 anos. Tudo situações “gravíssimas” que nos fazem destilar ódios como se tivessem sido cometidas tremendas atrocidades contra a humanidade.

Por vezes, por mais apreciadora de fado que seja, inteiro-me de uma colossal vontade de investir noutro fato e ir bailar para outras freguesias.

Dom | 02.03.14

Carnaval.

Catarina Duarte

Embora não esteja, propriamente, aquele frio que nos agride, o mau tempo e a chuvinha miudinha acompanha por pequenas lufadas de ar marítimo, leva-nos a optar pela doçura do lar.

Sem uma opção propriamente verbalizada, vamo-nos deixando ficar alternadamente entre o sofá e uma jantarada regada a bom vinho. Encostamos as máscaras e aguardamos que os presságios da meteorologia se concretizem: “segunda-feira o tempo melhora”. Até lá os fatos de joaninha, toureiro, palhaço e bruxa má alongam-se enfiados na caixa de fantasias, sonorizados pelo samba que rebomba pelas ruas da aldeia. 

Dom | 02.03.14

Três R's: reequilibrar; reorganizar, relativizar.

Catarina Duarte

Quando me perguntam porque casei tão cedo, dada a geração onde me encontro, analiso sempre o olhar, por vezes, piedoso de quem me atira com tal pergunta.

Muitas vezes, faz-se acompanhar por uma cambada de incredulidade como que a acusar secretamente a opção de abdicar arrebatadoramente das noites de liberdade incondicional e soltura total.

Nunca, em todos os anos de casada, me senti aprisionada. A sede de liberdade não existe, simplesmente, porque nunca me senti enclausurada no meu próprio desafio de amor.

Não há amor sem renúncia. Desenganem-se os que permanecem na expectativa de aliar o melhor de dois mundos: a incerteza do que vou fazer amanhã com a estabilidade do lar. O truque para anos de felicidade reside, como quase em tudo, no meio-termo.

Amar, é por isso, reequilibrar emoções, reorganizar capítulos, relativizar disposições, é um “hoje cedo eu; amanhã cedes tu”; amar é trabalhar diariamente pela procura constante da coerência ilógica das coisas, para a felicidade comum de ambos. Um caminho não fácil; mas, sem dúvida, com um final que se recomenda.

Então, se não muda nada, porquê da decisão?

Porque Casamento é sinal de agradecimento no colectivo. Partilha de alianças, lágrimas e bebidas. É um momento que se quer único, para não mais repetir, daí que a gana de diversão seja elevada. Casamento é a celebração pública de algo privado. É um “olá sociedade” de algo que existe, não mensurável, não palpável: mas real.

Namoro é sinónimo, entre outras coisas, de entrega total e discussão descontrolada sobre todos os demais factores da vida.

Casamento é sinónimo, entre outras coisas, de entrega total e discussão descontrolada sobre todos os demais factores da vida.

Dominador comum da mesma equação, cuja variável equilibradora do teorema é somente o Amor.

Se trocava uma noite de sofá por uma boa saída com vodka à mistura. Trocava. Aliás, troco. Mas tenho a sorte de estar ladeada por alguém que, como eu, se sente melhor no rebuliço de uma noite inconsequente do que na calmia do lar.

E não, o Casamento não nos transformou em quem não somos, em monocórdios chatos e de pantufas. Continuamos os mesmos irresponsáveis, sempre prontos para o disparate. Mas a disparatar, oficialmente, juntos.

Dom | 02.03.14

A pressa do final.

Catarina Duarte

Corro atrás dele com a eterna ilusão de que o “cheguei” fica ao virar da esquina.

Abraçada à pressa com que normalmente me acompanha, esqueço-me sempre que o caminho se faz caminhando, que o rápido é inimigo do bom e, mais inimigo ainda, do óptimo.

Concluo que a afluência para o dito “alcancei” se faz por caminhos, mais a atirar para as ruelas e becos sem saída, (onde a sorte, aqui mais do que em qualquer outro lado, é amiga), do que, propriamente, por estradas nacionais, ou tão-pouco, vias rápidas.

Ando muitas vezes com vontade de correr, com o forte impulso de ultrapassar os detalhes e preliminares sem interesse, enfiar-me num comboio só de ida, cuja estação de destino só pode ter a tabuleta de “bom final”.

A minha vida é repleta por fins. Não pelo sentido da perda, mas mais por não ser dada aos “meios”. Gosto mais de saborear um bom final, do que a pacatez do caminho.

Sou incapaz de querer saber o que me espera, mas anseio que passem rápido todos os intervalos, tal é a minha cusquice em saber como acaba.

O caminho faz-se caminhando e, enquando não me ensino a apreciar os óptimos presságios das calhas por onde se trilha a minha vida, anseio pelos meus finais, cada vez mais próximos.

 

Dom | 02.03.14

Como eu escrevo.

Catarina Duarte

Queria escrever algo de memorável para iniciar este blogue. Pensei, pensei e concluí, com alguma tristeza, que as palavras me secaram. Depois, constatei que esta secura foi, exactamente, a razão subjacente à criação deste blogue: vontade de escrever mas dificuldade em fazê-lo. Nunca me tinha acontecido. Tenho sempre tanto para dizer...

Então, lembrei de pesquisar um texto que, outrora, li do escritor Rui Cardoso Martins e que, de alguma forma, me marcou:

 

"Como não escrevo. Não escrevo sem lavar os dentes, as palavras ganham sarro e devem sair frescas da boca para a ponta dos dedos. Não escrevo sem pensar que são quê, cinco da manhã, voltaste a acordar antes do sol e é bom que tenhas algo a dizer na confusão do mundo. Não escrevo de barriga cheia ou com vestígios de ressaca. Reduz o horário de escrita do ano, mas nada a fazer. Se começas a ficar tonto, come as palavras que estão a mais, há sempre muitas. Quando não aguentares o jejum, se a própria fome te engorda a frase, vai ao frigorífico e repõe o açúcar e o sal no sangue.
Não escrevo sem pensar nas possibilidades do ridículo de escrever, que nunca acabam. Não escrevo sem pensar que posso ser mais uma pessoa que devia fazer outra coisa na vida. Não escrevo sem perceber que então ia fazer o quê?
Agora como escrevo, se conseguir. Escrevo contra a maldade e a ignorância que estão dentro de mim. Escrevo também a favor delas, são adversários magníficos a quem foram dados muitos anos de avanço.
Escrevo a pensar nas formas impossíveis do amor, se for preciso inventa-se mais uma verdadeira.
Escrevo contra a escravatura das religiões, a obrigatoriedade da fé que tanto mal faz às crianças da Terra. Tenho respeito por Deus, mas se existe é má pessoa. Eu mudava de atitude, com tantos poderes.
Escrevo a combater as conspirações da realidade, a meio desta frase lá está ela a conspirar, algures. Apesar de tudo, acredito que a vida triunfa, não escrevam Fim antes de acabar a história. Sou um optimista mas não percebo porquê. E se isto fosse fácil era para os outros, como dizem os marines e disse uma pessoa que amei. Escrevo porque me pediram para escrever e porque me pediram para não escrever e foram todos bons conselhos de gente formidável. Escrevo porque tenho muitos amigos e amigas e alguns deles são um pouco malucos. E tenho filhos e pais e irmãs.
Escrevo porque viajei e vi injustiça e sofrimento. Não serve de nada escrever sobre desgraças, ou quase nada, mas algum nada temos de fazer. Muito do sofrimento que vi é meu e português e mundial. Também faz rir, mas acredito que o humor é aprofundar, não aligeirar.
Escrevo contra as pessoas parvas.
Escrevo porque as mulheres são bonitas e cheiram bem. E pelos vivos e pelos mortos, as pessoas vivem e de repente morrem-nos. E o mar tem peixes e os bosques pássaros e o esgotos ratos. Escrevo porque é uma profissão interessante, há de certeza melhores, mas não me calharam nem podia ser."

 

Nada como uma boa partilhar, para iniciar esta aventura.

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