Sou autora do livro infantil “Maria Bolinhos – no Reino da Maravilhosa Doçaria Alentejana” e do blog insensatez.blogs.sapo.pt. Escritora compulsiva: a minha vida é absorver tudo aquilo que vejo e tudo o que ouço. Se estão comigo há um certo risco de se tornarem inspiração da minha próxima personagem :) mas, calma!, não fujam já! Dou Workshops de Escrita Criativa a crianças e a adultos - são boas horas que sempre voam embaladas pelo fluir frenético da escrita. Devoro arte, sou constantemente inspirada por ela, nas suas mais diversas formas: livros, pintura, música, cinema, fotografia. Mas, também, jardins, praias, arestas dos prédios recortados da minha Lisboa: inspiro a luz que escorre pelas suas paredes, expiro um texto completo de incertezas. Não passo sem café, sem livros, sem as minhas viagens mas, especialmente, sem o ar livre da minha cidade, a minha maior inspiração. Tenho 32 anos, vivo em Lisboa com o meu marido e com as minhas palavras preferidas.
Julgo que é difícil de explicar este texto a quem tem um sentimento relativamente estável com tudo na vida.
Mas há, de facto, alturas em que estou menos tolerante.
Basicamente - já não me engano - não tenho um sentimento estável com tudo na vida. Alguma razão paira neste metro e setenta e cinco de ser, é certo, mas mantenho (e, se tudo correr bem, continuarei a manter) uma certa dose emocional na minha vida.
Não consigo camuflar sentimentos, mostrando apenas imagens airosas quando, na verdade, por vezes, a única coisa que me apetece é mesmo fugir com o meu caderno e escrever sobre as injustiças a que assisto, sobre as famílias que se afastam, sobre as amizades que se desmancham, sobre os casamentos que se perdem.
A escrita ajuda a paziguar, mas não ajuda a esquecer. Ela mantém o tracejado do que aconteceu, num registo doloroso de reler, linha após linha.
Eu não me zango com ela. Zango-me antes com este rasto difícil de gerir mas que me habituei a ter.
Há, de facto, alturas em que estou menos tolerante.
Eu acredito em coisas dispersas. Por exemplo, não acredito em bruxas mas acredito que o Universo, por vezes, conspira. Não acredito no azar mas acredito – oh, se acredito – na sorte. Acredito que os dons existem mas tenho muita dificuldade em acreditar que são eles que nos levam onde queremos ir.
Não há, portanto, uma regra que me una às minhas crenças. Há todo um movimento aleatório de ocorrências para, no fim, me agarrar ao que o meu subconsciente escolhe acreditar – será assim?
O meu lado romântico – sim, eu tenho um – acredita que ele me espanta os pesadelos. Sempre dormi muito e sempre sonhei bastante. Lembro-me, com frequência, dos meus sonhos e, raras vezes, acordo com pesadelos – mas também os tenho. Eles ocorrem quando estou sozinha, quando não me sinto aconchegada.
Eu acredito em coisas dispersas. Não acredito em bruxas mas acredito que o Universo, por vezes, conspira. Não acredito em ciências ocultas mas sou mais crente do que imagino. Não acredito (também) no azar mas acredito (muito) na sorte.
No meio disto quão bonito é acreditar que a pessoa com quem se dorme tem poderes para afastar os nossos pesadelos?
Temos o olhar viciado e, de tão viciado que está, habituamo-nos a ver tudo pelo mesmo prisma.
Lisboa, Leiria e Portalegre. Iguais, sempre iguais, sempre iguais a Lisboa, a Leiria, a Portalegre.
As árvores são as mesmas há anos, os passeios iguais, as fachadas não mudam. Lisboa, Leiria, Portalegre.
Fugimos dos dias, eles escorrem por entre os dedos, as árvores, os passeios, as fachadas refazem-se, reinventam-se, alteram-se e nós, bom, nós habituados a eles como sempre, não reparamos no quanto evoluem, no quanto se modernizam, no quanto se alteram.
Estamos tão acostumados às árvores, aos passeios e às fachadas que não vemos para além do que gravamos na nossa memória como certo.
Há um dia, como acontece sempre, em que surge uma luz, em que se dá um “click”, em que tudo muda.
Durante muito tempo, diziam-me que as acções das pessoas eram reflexo da personalidade e da educação delas e não uma reação direcionada à minha pessoa. Isto foi das coisas mais sábias que alguma vez me disseram mas nunca tive – até há pouco tempo – a perspicácia necessária para a entender. Eu ouvia, como ouço sempre, fazia-me sentido e tal, mas não ao ponto de exercer real impacto na minha vida. Encarava esta frase mais como um “faits divers”, mais como uma daquelas frases “facebookianas” inspiradoras - daquelas que me fazem sempre querer fugir.
Quando algo não corria como eu queria, quando recebia uma resposta que achava que não merecia ou um comportamento que não considerava justo, ficava a remoer! Como calculam, em 32 anos foram várias as vezes em que isto aconteceu.
Mas há um dia, como acontece sempre, em que surge uma luz, em que se dá um “click”, em que tudo muda.
Claro que continuo, porque sou humana, a ficar melindrada mas, é aqui que nasce a grande vitória, encaro actualmente os comportamentos que não considero corretos, mais como reflexo do que as pessoas na realidade são e não, como anteriormente, como uma afronta pessoal.
De facto, é difícil entender que não somos o centro do mundo e que, quando alguém reage de forma menos positiva connosco, nós não temos que ser necessariamente os culpados.
Um dia deu-se este “click”. E assimilar isto foi um grande – grande - salto no meu bem-estar.
Relativamente a tudo aquilo que me atormenta, gosto de pensar que são situações mais frequentes nos outros, do que aquilo que imagino: não devo ser a única pessoa a quem os bules faltam a respeito ao entornarem-se consecutivamente, não devo ser a única a quem os telemóveis insistem em cair na sanita tal as suas obsessões por salto em altura e, também, não devo ser a única a delegar graciosamente a gestão dos tupperwares para terceiros, porque a ter que ser aqui a “je” a executar esta tarefa, dá origem um dispêndio de tempo relativamente difícil de gerir e, o mais certo, é não concluir a atividade com sucesso.
Primeiro, tenho uma certa dificuldade em criar os pares "tampa-recipiente". Provavelmente, pensarão vocês, é uma tarefa que qualquer miúdo de oito anos consegue executar com elevado grau de sucesso.
Mas eu, bom, eu passo largos minutos da minha vida, sentada no chão da cozinha a tentar encontrar os parceiros das tampas, qual jogo de lógica infantil. Nota: na minha cozinha, até acho que impera alguma ordem: as tampas estão de um lado da gaveta, os recipientes noutro. Mesmo assim, a parte do cérebro reservada para puzzles deve ter sido esvaziada aos oito anos (e eu até era boa nisso, juro!). Normalmente, pego no primeiro conjunto que encaixa. Muitas vezes, não se adequa à quantidade de comida que pretendo armazenar.
Quando acerto, nos pares tampa-recipiente, quando, no limite, consigo fazer mais do que um conjunto e tenho a opção de escolha entre este ou aquele par, tenho tendência para escolher sempre tamanhos desadequados para comida que pretendo guardar: ou muito grandes (o mais frequente) ou, muito raramente, o contrário. O resultado tende a ser um frigorífico repleto de tupperwares de tamanho considerável onde, lá dentro, jazem apenas micro, micro gramas de alimentos.
Não sei se o flagelo dos tupperwares é transversal, não sei se os telemóveis convosco também mergulham tranquilamente para a sanita e não sei tão-pouco se os bules tendem a respeitar-vos, mas todos os dias em que algo deste género não me acontece, é uma vitória para mim. E eu, de vitória em vitória, lá vou ganhando os meus dias. Como podem ver, só uma pessoa relativamente fácil de contentar. :)