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(in)sensatez

por Catarina Duarte

(in)sensatez

por Catarina Duarte

Qui | 28.02.19

Os filhos não podem ser a vida dos pais.

Catarina Duarte

Com a idade, parece-me ser bastante inteligente assumir que isto é uma certeza, talvez das únicas que nos permitem ter: não há respostas para a maioria das perguntas. Ou, mesmo que tenhamos a ilusão que temos a certeza, em determinado momento, sobre algo, é bom ter a noção clara que é normal mudarmos de ideias, como diz o IKEA.

 

Talvez por estar grávida e o ritmo de trabalho não ter, de todo, diminuído, penso muito em quem se dedica inteiramente aos filhos. Com oito meses de gravidez, com aquilo a que se pode chamar de “gravidez santa”, uma gravidez calma e sem problemas, questiono muito quem toma a decisão de ficar em casa a gozar este estado de graça, com tempo para organizar tudo à sua maneira. Se eu ficasse em casa, desde cedo, já tinha cometido uma loucura que incluía, claro, armas brancas. É engraçado mas o trabalho mantém-me muito viva. Se já o sentia nas férias intermináveis que, por vezes, fazia, a ideia de estar a tempo inteiro dedicada à casa, tira-me do sério. Isto, claro, porque estou com uma gravidez santa.

 

Claro que há livros para ler e filmes para ver mas, para além da ocupação mental que me faz sempre falta, acresce ainda a questão dos filhos não serem propriedade dos pais.

 

Sim, sou das que acha que os filhos são pessoas (estranho, não é?) e que, como pessoas que são, devem seguir o seu caminho, ter a sua vida, e parece-me sempre muito errado quem diz que “os meus filhos são a minha vida”. Não são.

 

Claro que são o mais importante das nossas vidas mas não são a nossa vida. Tem que haver a capacidade, no meu entender, de ter uma vida sem que ela passe pela vida dos filhos, como se isto fosse tudo uma matrioska de vidas, metidas todas umas dentro das outras, num total descontrolo de quem é quem, com muito sentimento possessivo, “eu é que sei o que é melhor para ti, porque sou tua mãe”.

 

Eles nascem, crescem, eles saem de casa e vão ser felizes com alguém, e ter também eles filhos e por aí fora. Vão ter uma vida que é a deles.

 

E quando chegar o dia em que fogem de casa para nunca mais na mesma cama voltarem a dormir (mais rápido do que as mães acham possível), o que lhes fica, às mães que optaram por viver a vida dos filhos, para além de uma solidão imensa e uma total falta de capacidade de controlar algo que julgavam totalmente controlado?

Ter | 26.02.19

Sobre a família. Sobre os amigos. Na política. No PS.

Catarina Duarte

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Acontece muito: filhos de médicos serem médicos, filhos de pilotos serem pilotos e filhos de apresentadores de televisão serem apresentadores de televisão. Acontece muito mesmo. É aceitável, não vejo nada de estranho, não considero que tenha que haver favorecimentos de pais para filhos para isso acontecer. Claro que PODE haver ajudinhas. Só não acho que TENHA que haver ajudinhas para tal acontecer.

 

Basta olhar para a cultura e o que não faltam são exemplos de filhos que seguiram exatamente as pisadas dos pais e que têm tanto ou mais talento que os seus progenitores. Normalmente, arrisco-me a dizer, são uma versão melhorada do que os pais foram. Ou porque estudaram mais, ou porque aprenderam com os erros dos mais velhos, ou porque aproveitaram a visibilidade que os pais tinham, melhorando-a. Nada de errado. Só demonstra inteligência.

 

Na passada sexta-feira dediquei-me a ver, após o jornal da noite da RTP, o programa “Sexta às 9”, onde foi investigado e esmiuçado todos os relacionamentos existentes no PS.

 

O meu ponto nada tem a ver com pais e filhos serem ministros ou ambos terem seguido carreiras políticas, como foi o caso de Mariana Vieira da Silva (Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa) e do seu pai, Vieira da Silva, Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social. Como disse lá em cima, claro que PODE ter havido ajudinhas. Só não acho que TENHA que haver ajudinhas para que uma situação destas se dê.

 

Segundo o que li, Mariana Vieira da Silva tem bastante mérito e é de um imenso profissionalismo. Não li nenhuma opinião profissional negativa a seu respeito.

 

O meu ponto é que o Partido Socialista é muito dado a esta promiscuidade, onde todos somos amigos e frequentamos todos a mesma casa, onde nos tratamos todos por tu, e as questões são resolvidas aqui, com a malta, sem qualquer membro exterior para estragar a harmonia amigalhaça. Neste aspecto, sou obrigada a concordar com o João Miguel Tavares quando ele diz que:Ele demonstra na perfeição porque é que o termo “oligarquia” se tornou a expressão favorita de tanta gente, e porque é que o Partido Socialista, mais do que um herdeiro da Primeira República, é devedor de um certo espírito monárquico”.

 

Não digo que sejam incompetentes, não digo que haja favorecimentos, apenas digo que o meio onde esta gente se move é demasiado restrito e eu preferia, juro que preferia, que todos aqueles que nos representam não frequentassem a casa, a mesa e a cama uns dos outros.

 

Por muito que haja decoro e respeito e até alguma cerimónia, falamos sempre de assuntos que devem ser tratados com alguma distância protocolar e eu preferia assumidamente que os cargos fossem ocupados por pessoas sem grandes ligações entre si até para, mais que não seja, não se dar azo a especulação, em alguns casos, até completamente injustificada.

Seg | 25.02.19

Mulheres de Atenas e o politicamente correto.

Catarina Duarte

Hoje em dia, colocam-se, sistematicamente, entraves a quem cria e, vou-vos já dizer o final, vamos acabar todos padronizados no mesmo intervalo de coisas que nos permitem fazer, dentro daquilo que é aceitável como politicamente correto. Tenho pena: é pela diversidade que cresce a Cultura e, claro, o Homem.

 

Possivelmente, nunca aqui o disse, mas sou uma apreciadora de música brasileira sem qualquer complexo ou pudor. Papo tudo: desde funk, a Bossa Nova. Caetano, Chico, Elis, Bethânia, Vinicius, todos, todos. Só não os trato por tu porque consideraria desrespeitoso, apesar de, aqui, um único nome ser aceite porque, de resto, também é compreendido a quem me refiro.

 

No que toca à música Bossa Nova, o que sempre me fascinou foi a união da simplicidade das letras com a tranquilidade da harmonia (não tenho qualquer conhecimento musical – estou a falar bem?). Uma fusão perfeita. Reconheço que é preciso alguma paciência para ouvir Bossa Nova. Mas eu tenho-a.

 

As mensagens são passadas de forma clara, sem fogo-de-artifício, como muito bem diria o nosso Salvador Sobral, porque não é mesmo isso que procuramos quando queremos passar uma ideia: a simplicidade é fundamental quando pretendemos que nos ouçam.

 

Há pouco tempo, dei por mim a ouvir com outros ouvidos algumas músicas da minha vida. Um exemplo disso foi a “Mulheres de Atenas”, de Chico Buarque, de 1976, música rasteira na melodia, com mensagem clara e aquele inconfundível timbre carinhoso. Tudo aquilo que sempre me apaixonou quando ouvia Bossa Nova. Só que algo aconteceu.

 

Concluí que andam mesmo a sujar os meus ouvidos. Era mais inocente quando, há uns anos, ouvia música, não estava sensibilizada para aquilo que era aceite e permitido. Tudo era aceite e permitido porque não havia limites para o que se pretendia criar. Nunca olhei para “Mulheres de Atenas” e verifiquei uma letra machista. E isso aconteceu agora.

 

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seu maridos, orgulho e raça de Atenas”

 

“Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas”

 

É uma pena os juízos de valor que se fazem. Uma música destas não seria permitida hoje.

 

Perde-se a arte. Nada se ganha.