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(in)sensatez

por Catarina Duarte

(in)sensatez

por Catarina Duarte

Ter | 28.04.20

Tudo adiado.

Catarina Duarte

Ia escrever “tudo cancelado”. Depois apaguei. O que se deve escrever mesmo é “tudo adiado”. As compras de casas, os primeiros empregos, os casamentos, os batizados e os aniversários. Foi tudo adiado.

Por um fio, daqueles finos, daqueles de nylon, estamos pendurados na indefinição do tempo.

Estamos, será?, a pairar, estamos suspensos nas horas que atravessam o dia, quase sem respirar, à espera que tudo passe, na esperança que não sejam cravados, nem em nós, nem nos nossos, danos de maior.

Mas sabem o que é que eu sinto? Que, como estamos todos no mesmo barco, não há pressas.

Ninguém se acotovela para chegar mais cedo a sítio nenhum: não há nenhum outro sítio onde devamos estar, para além da casa.

Esvoaça a resignação. Mas também alguma esperança.

Qui | 16.04.20

Estamos todos com saudades.

Catarina Duarte

Mesmo as futilidades conseguem ser acontecimentos profundos quando delas estamos privados.

Quando se lamentam, as pessoas que estão fechadas em casa, é apenas e só por terem saudades daquilo que preenchia os seus dias. E já não falo – claro que vou falar – das reuniões ou do trânsito ou de qualquer outro ritual aborrecido e que, agora, à distância dos dias que nos separam, nos parecem momentos hilariantes, autênticas férias nas Maldivas.

Falta-nos, a correr no sangue, a rotina dengosa da semana a girar, a felicidade que sempre vem com a chegada de uma sexta-feira que não seja parecida a uma quarta ou a um domingo. Os dias são agora repetições uns dos outros.

Ansiamos algo que nos remeta para a normalidade do que fomos e chegamos até ao ponto de agradecer tudo o que nos devolva a sensação de enfado, desilusão ou aborrecimento perante algo que nem gostávamos: uma fila no Serviço de Finanças, gente a empurrar num festival de Verão ou uma velhinha colada a nós quando pagamos as compras no supermercado.

Que regresse a normalidade. Estamos todos preparados para ela.

Seg | 13.04.20

Opinião: Sara - Série.

Catarina Duarte

Sara-rtp-flickr.jpg

Parece-me que estamos todos fartos do mesmo: das mesmas cenas, dos mesmos diálogos, das mesmas histórias. Mudam os actores, mudam os cenários, muda o enquadramento, mas ficamos sempre com aquela sensação: eu já vi isto em qualquer lado. Acontece-me muito com os livros, mas também com as séries e com os filmes.

É cada vez mais difícil ouvir, ler ou ver uma história diferente ou, simplesmente, a mesma história de sempre mas contada de forma diferente.
Por isso, procuro sempre sugestões novas e tento sempre dar aquilo que acho que acrescenta valor para esse lado.
É o caso da série "Sara", uma ideia original de Bruno Nogueira.

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É cómica e dramática. Umas vezes é demasiado irrealista e, outras vezes (talvez até estejamos a falar das mesmas, nem sem bem), completamente corpórea, palpável e terrena.

Tem cenas em que "está-se mesmo a ver" mas que este "está-se mesmo a ver" é propositado e lá colocado para ser visto exactamente como "está-se mesmo a ver".

Para além disso, tem actores incríveis como Nuno Lopes, Albano Jerónimo, Rita Blanco, entre outros.

saraa.jpg

Ao longo de oito episódios, vemos a actriz Sara Moreno (interpretada por Beatriz Batarda), cuja carreira foi desenhada pelo cinema, a ser conduzida, por si e por si, nas suas duas vertentes presentes no filme, na sequência de uma perda de característica enquanto actriz, para o mundo das novelas. Com tudo o que isso representa. 

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É a minha sugestão para esta quarentena. Vale bem a pena.

Qui | 02.04.20

Acho que foi do medo que nunca me falaram.

Catarina Duarte

Falaram-me do parto, da amamentação e até das eventuais noites sem dormir. Sobre isso, falaram-me até vezes a mais, vezes demasiado gráficas, vezes que não pedi.
Falaram-me da primeira separação e até da segunda. Das outras todas, já não me falaram; também já não era preciso.
Continuam a falar-me de todas as etapas que ele ainda não alcançou mas que vai alcançar. Contam-me histórias e, a falar, explicam-me tudo. Ou, quase tudo.
Acho mesmo que foi do medo que nunca me falaram.
Falo do medo que só começamos a sentir quando somos pais: completamente corpóreo e robusto e, sem dúvida, imensamente real.
Refiro-me àquele medo que nos passa pelos olhos e atravessa o corpo, àquele medo que nos aterroriza quando pensamos que a doença e a maldade não escolhem nada: são completamente aleatórias. Demasiada conversa e livros, e, claramente, demasiadas palestras e workshops, e ninguém achou relevante referir que a partir do dia em que ele nasce, o nosso coração ganha outra vida (para além da que já tem, claro), sai do nosso corpo e deixa de nos pertencer. Para sempre. Acho mesmo que foi do medo nunca me falaram.
Que tenhamos sempre a capacidade de colocar este medo à sua dimensão, que se quer insignificante, e que nunca se faça maior do que o Amor que por eles sentimos.