Camisa creme.
Eu tinha uma camisa creme, muito leve, bastante creme, e muito solta e eu gostava da forma como ela pingava e se moldava ao meu movimento sempre que eu andava.
Durou mais do que o razoável, seguramente mais do que o expectável para o preço que paguei por ela, e tornou-se, entretanto, na minha camisa preferida.
Um dia, não estava mesmo nada à espera, rasgou-se no braço, um rasgão de uma ponta à outra. Foi para o lixo, seguiu o procedimento normal de uma camisa rasgada, mesmo que a mesma tenha sido, durante muito tempo, a minha camisa preferida.
No meu roupeiro, a minha camisa creme, leve e solta, aquela que pingava e se moldava ao meu movimento sempre que eu andava, deixou de existir e outras foram tomando o seu lugar, com outros cortes, com outras cores.
Até hoje, desde o momento em que se rasgou, passaram uns três meses, nunca mais dela me tinha lembrado. Foi a minha preferida, durante muito tempo.
Temos mais desapego do que consideramos ser possível. Unimo-nos demasiado e depois admiramo-nos com a rapidez com que as coisas se substituem, com aquela leveza e soltura que vos falava, tal e qual, como a minha camisa preferida me caía.