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(in)sensatez

por Catarina Duarte

(in)sensatez

por Catarina Duarte

Dom | 29.05.16

Crónica de uma Portuguesinha.

Catarina Duarte

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Não perco mundo por ter uma significativa percentagem em mim de portuguesinha.

Por muitas músicas que ouça, que ouço, por muitos géneros que adquira, que adquiro, nada supera o cantar sofrido de um fadista, a mágoa reflectida na repetição dos versos, a alma colocada em cada quadra. Sinto, em cada dedilhar da guitarra portuguesa, o choro pequenino dos meus avós e, por isso, sinto-me próxima das minhas raízes.

Gosto de ler frases que foram criadas na minha língua. Onde as metáforas me são familiares e, até de certa forma, cúmplices com a vida que escolhi viver. Gosto de sentir os arranjos, meditados e trabalhados, e a carga emotiva e inacabada dos grandes escritores portugueses. Gostos dos eufemismos que empregam quando querem aligeirar a coisa. E das hipérboles quando querem exagerar no tema. Identifico-me com o sofrimento latente nas letras cravadas nas folhas dos seus livros. Identifico-me.

Não há luz igual à nossa, à da minha Lisboa, nem cidade que contemple em si harmonias tão perfeitas de mundos tão diferentes: o bairrismo de Alfama e a cosmopolita Baixa-Chiado.

Não gosto do Halloween, não lido bem com importações de tradições embora reconheça que as tradições e as novidades podem coexistir, criando, se espaço houver, o seu próprio equilíbrio. Prefiro ver o Halloween sincero nos Estados Unidos do que a sua adaptação no meu país. Identidade. Gosto que haja identidade.

Forço-me a apreciar todas as culinárias locais dos sítios para onde viajo mas nada me faz brilhar tanto os olhos quando os mesmos pousam numa travessa de feijoada à transmontada. Não há alimento mais consolador do que uma sopa portuguesa. Não há melhor sobremesa do que leite-creme e arroz doce. Quentes. O leite-creme queimado na altura; o arroz doce com bastante canela.

Se isto faz de mim portuguesinha? Não sei. Podia passar o dia a relatar episódios, numa tentativa de justificar a minha vaidade quando ouço alguém falar a nossa língua redonda.

Podem-me tirar o cabrito, o bacalhau, o cozido, o peixe grelhado sem molhos nem apêndices. Podem-me tirar a melancolia do fado, a luz reflectida nos prédios da minha cidade, o leito do meu rio calmo e brilhante. Podem-me tirar os meus escritores preferidos que são quase todos portugueses.

Se isso acontecer, não me tiram tudo - mas tiram-me (mesmo) muita coisa.

 

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