Estevão.
Os pais soletravam-lhe o nome, carregando em cada sílaba, enquanto o ajudavam com o puzzle que tinham levado para o manter entretido. Não usavam um diminutivo, falavam-lhe o nome inteiro, mas devagar: ES-TE-VÃO.
Chamou-me à atenção por não ter mais do que 2 anos e ter aquele nome tão incomum para aquela idade mas, também, por ser muito loiro e ter poucos caracóis.
O Estevão encontrava-se a encaixar as peças do puzzle, algumas viradas ao contrário, nos buracos errados, e os pais almoçavam o seu cozido cheio e o seu tinto corpulento.
Entre uma palavra mal amanhada e outra do Estevão, a mãe lá lhe endireitava uma peça para que ele conseguisse dar seguimento ao jogo e entornava mais um pouco de tinto no seu copo que, de forma alheada, segurava na mão direita, enquanto seguia conversa com o pai.
O pai passava, entre uma garfada na couve rija e uma outra no chouriço de sangue, a mão no cabelo do Estevão, que continuava entretido com o seu puzzle.
Às tantas, o pai sussurrou ao ouvido do Estevão, relativamente baixo mas não o suficiente para que eu não o conseguisse ouvir: o pai ama-te muito, Estevão.
O nome da criança - Estevão - saiu-lhe como antes já o tinha ouvido, carregado em cada sílaba, sem qualquer diminutivo para o suavizar: ES-TE-VÃO.
O pai continuou a beber o seu tinto corpulento, que ajeitava o cozido que ia devorando, enquanto, entre novas garfadas, lhe afagava o cabelo muito loiro e com poucos caracóis.
Há, de facto, recados que não podem ser adiados, pensei.