Eu não me zango com ela.
Julgo que é difícil de explicar este texto a quem tem um sentimento relativamente estável com tudo na vida.
Mas há, de facto, alturas em que estou menos tolerante.
Basicamente - já não me engano - não tenho um sentimento estável com tudo na vida. Alguma razão paira neste metro e setenta e cinco de ser, é certo, mas mantenho (e, se tudo correr bem, continuarei a manter) uma certa dose emocional na minha vida.
Não consigo camuflar sentimentos, mostrando apenas imagens airosas quando, na verdade, por vezes, a única coisa que me apetece é mesmo fugir com o meu caderno e escrever sobre as injustiças a que assisto, sobre as famílias que se afastam, sobre as amizades que se desmancham, sobre os casamentos que se perdem.
A escrita ajuda a paziguar, mas não ajuda a esquecer. Ela mantém o tracejado do que aconteceu, num registo doloroso de reler, linha após linha.
Eu não me zango com ela. Zango-me antes com este rasto difícil de gerir mas que me habituei a ter.
Há, de facto, alturas em que estou menos tolerante.