Neste país, és culpado até seres considerado inocente.
Hoje de manhã, enquanto tomava uma bica numa pastelaria ao pé de casa, começavam, na televisão, os esclarecimentos de António Mexia sobre o processo onde está envolvido e, no qual, foi constituído arguido.
Tinha algum interesse em ouvi-lo, mais por curiosidade do que por outra coisa qualquer, porém, o barulho das chávenas e das conversas ventiladas ao compasso do pequeno-almoço abafavam completamente todo o seu discurso.
Ao meu lado sentaram-se três pessoas com idades a rondar os 50 anos. Uma delas, com o timbre de voz claramente levantado, dizia para os outros dois - e para quem mais quisesse ouvir - que "este" devia era ser preso junto com o Salgado e todos os outros "gatunos" que para aí andam. Continuou no seu chorrilho de divagações, dizendo frases como "ele que fosse mas é roubar para a estrada" e "é preciso ter muita vergonha na cara para aparecer na televisão para prestar esclarecimentos".
Obviamente que aquela situação me desagradou, não gosto de estar num café, relativamente cedo, a levar com estes filmes, e lancei-lhe imediatamente um olhar duro, o meu olhar possível para aquela hora (crítica) da manhã, que despoletou imediatamente como reação nos companheiros da dita pessoa, que lhe disseram, de forma pouco discreta, para falar mais baixo.
Fiquei a pensar que a PJ, o DCIAP e os demais organismos envolvidos têm, de facto, feito um trabalho notável no que toca à luta contra a corrupção mas, bolas!, acho incrível a forma como as pessoas já nem dão o benefício da dúvida.
Qualquer cargo alto, de qualquer empresa, qualquer cadeira de poder é imediatamente associado a corrupção! Na cabeça daquele senhor - e, seguramente, de muitos outros senhores - qualquer arguido é culpado! Mas não é! Num Estado de Direito, como o nosso, não é culpado! Num Estado de Direito, como o nosso, há a presunção da inocência. Num Estado de Direito, como o nosso, uma pessoa não pode ser condenada, em praça pública, quando criminalmente ainda não o foi! Não faz sentido.
Espero, sinceramente, que o senhor que apanhei no café, esta manhã, nunca seja indiciado de nada, espero que tenha a consciência tranquila no que toca às contra-ordenações na estrada, às multas da EMEL e às quotas do condomínio, espero que tenha uma vida exemplar, um registo imaculado e todas as suas prestações em dia mas espero, especialmente, que nunca seja apanhado numa curva qualquer, mesmo no meio de um incidente que lhe seja completamente alheio, e que não apanhe outro, igual a ele mesmo, que o condene muito antes de o ser verdadeiramente.