O meu imposto sucessório.
O meu imposto sucessório, aquele de que toda a gente fala, já o tenho medido e assumido desde há muito. Podia queixar-me publicamente da existência política do mesmo mas sobre isso, neste espaço, por enquanto, remeto-me ao silêncio.
O imposto sucessório que hoje aqui trago, o meu, aquele que já foi aferido e calibrado, reveste sempre a forma de saudade quando ouço fado e me lembro da minha avó. Não consigo explicar melhor, mas se eu tenho que pagar alguma coisa para ficar com a recordação dela, nas escadas da vivenda a murmurar baixinho as palavras cantadas vestidas de tristeza, já entrego, em forma de lágrimas, o imposto que me exigem.
O meu imposto, este de que todos se queixam, está camuflado nos casacos que uso e que eram da minha mãe, no seu cheiro característico entranhado no meu. Adquire também a forma de donativo quando, no meio de choradeira pegada, a minha mãe, aquela cujo cheiro é igual ao meu, me diz tens-mesmo-que-ver-a-rapariga-dinamarquesa e eu vejo e eu choro o filme todo e eu concluo que os nossos gostos não podiam ser mais iguais.
O imposto sucessório, aquele que, aparentemente regressa ao fim de dez anos de ausência, já o pago, todos os dias, quando, a caminho de casa, ouço bossa nova e quando analiso as letras que me fascinam e emocionam, doação deixada pela paixão do meu pai pelo suave palrar desta forma de encantar. Será a herança dele cujo imposto, aquele que dizem sucessório, já comecei a pagar.
Não sei bem a que se referem quando explicam este imposto de carácter sucessório. Se é aplicado apenas às grandes fortunas ou se ficará tudo em águas de bacalhau. Da parte que me diz respeito, este imposto que dizem como sendo sucessório, pago-o eu todos os dias, dia após dia, quando vivo e revivo momentos deixados, doados em vida ou herdados pelos que me são queridos.
Se preferia pagar um imposto, de cariz monetário, e arrumar com o assunto? Não. Pago de bom grado o que tiver que ser para que a saudade fique porque, enquanto conseguir recordar, ainda estou a viver.