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(in)sensatez

por Catarina Duarte

(in)sensatez

por Catarina Duarte

Ter | 16.05.17

Os nossos heróis.

Catarina Duarte

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Comportamo-nos como aqueles pais que maldizem os filhos que se portam e respondem mal.

 

Estamos sempre a refilar porque somos preguiçosos e desenrascados, encostamo-nos à sorte e esperamos pelo "tudo se faz". É sempre assim.

 

Não gostamos da nossa forma fácil e leviana de viver, com álcool e mulheres, como disse o outro, mas não conseguimos viver de outra forma.

 

Dizemos mal deste nosso estilo de vida mas não admitimos que nos apontem o dedo. 

 

Somos assim: maldizentes mas orgulhosos.

 

Numa fase inicial, quando o Salvador se apresentou, poucos foram aqueles que conseguiram ouvir a beleza da música “Amar pelos dois”. Ou, porque tinha tiques de aleijadinho, como li algures, ou, porque a música, lisa e crua, não era música para o festival da Eurovisão.

 

O casaco, a barba e o cabelo, os olhos esbugalhados e as mãos enroladas não ajudavam à festa - as críticas foram mais do que os aplausos, “lá vamos nós fazer mais uma figura triste”, ouvia-se.

 

O que é certo é que o Salvador foi passando e que a legião de fãs foi aumentando. Os tiques passaram a ser secundários, a música foi entrando no ouvido e já não podíamos ouvir dizer mal o nosso menino. A música escolhida, de uma beleza e suavidade ímpar, começou a fazer parte. A fazer parte de nós.

 

No passado fim-de-semana, lá rumamos ao aeroporto, numa procissão de fazer doer a alma de amor. Esperamos pelo nosso herói, como já esperamos por tantos outros, pois, na verdade, são sempre heróis, todos aqueles que nos representam e que levantam de novo aquele esplendor único que é o de Portugal.

 

São sempre heróis, todos aqueles que esbanjam a palavra em português, que espalham o calor da nossa língua que, claro, é única como qualquer outra, mas que, para nós, portugueses, embeiçados pelo que temos, tem aquele enrolar bom, que a torna ainda mais especial. 

 

São sempre heróis, todos aqueles que quentes, íntegros e certeiros, tal como a música do Salvador, choram e vibram e que, longe dos fogos de artifício desta vida, não manipulam nem ofuscam, com luzes fortes, quem os está a ver.

 

Bonitos, reais e concretos – sem sermos lamechas. Esta música somos nós. Precisamos de mais Salvadores, de mais Luísas e de mais amores. Precisamos de mais Éders, de mais futebol e de mais vitórias. Estamos no bom caminho – isto sabe tão bem!

Estamos a vincar a nossa identidade sem entrar no caminho que todos seguem.

 

No final, lá mesmo no final, muito provavelmente vamos concluir que, sem sombra de dúvida, chegamos para amar por todos. 

 

E isso é tudo.