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(in)sensatez

por Catarina Duarte

(in)sensatez

por Catarina Duarte

04.12.19

Quartas-feiras.

Catarina Duarte
Reuniam-se sempre às quartas-feiras, às seis e meia da tarde, e para além de Deus, e dela também, poucos sabiam o que precisava de fazer para lá estar a essas horas. Fugia do escritório às seis em ponto, voava até ao autocarro, está certo que era apenas uma única paragem, mas, depois, ainda tinha o metro, onde as paragens passavam a três, e, depois, mais dez minutos a pé. Se tudo fluísse como esperado, chegava cinco minutos atrasada; caso contrário, nem valia a pena ir.   (...)
19.07.18

Quinto esquerdo.

Catarina Duarte
 Fotografia do João Farinha (sigam o seu blog - não se vão arrepender!)   Com a ponta da chave, alguém chegou lá e rasgou-o. A frase que surgia, após o rasgão, era “o 5.º esquerdo é gay”. O autocolante da inspeção periódica do elevador já não estava intacto.   É preciso muito talento para, com apenas uma chave, riscar o autocolante duro das inspeções periódicas e fazer não uma, não duas, não (...)
18.02.18

Conto #4 O senhor que morria.

Catarina Duarte
  Até ao dia em que ele foi ter comigo ao atelier, eu e o senhor Joaquim nunca tínhamos trocado uma palavra, como se fosse preciso, em alguma parte do mundo, falar para nos entendermos.   E os dias rolavam, essas bolas escorregadias, e faziam-nos os favores necessários para nos cruzarmos, eu e ele, um senhor com idade para ser meu avó e eu, claro, uma miúda, já mais a atirar para mulher, com idade para ser sua neta.   O senhor Joaquim, para além da idade para ser meu avô, tinha (...)
03.12.17

Conto #3 A Tinita queria ser escritora.

Catarina Duarte
 (fotografia tirada pela minha prima Margarida, em analógico)   A Tinita queria ser escritora mas não o era. Trazia e levava, os livros que lia, sempre na versão de bolso, na sua bolsa velha. Não comprava livros novos mas também não pedia emprestado; relia os mesmos de sempre, vezes sem conta, pois adorava as frases e as palavras que ali estavam e, também, os diálogos, e, também, todas as dinâmicas, interjeições e onomatopeias que ali se encontravam, quando as havia.   A (...)
26.11.17

Conto #2 O homem que tinha apenas um rim.

Catarina Duarte
 (fotografia tirada pela minha prima Marta, em Lisboa, em digital)   O homem que tinha apenas um rim fazia a sua vida normal, demasiado normal para quem tinha apenas um rim.   Todos os dias se levantava e todos os dias fazia um fino café de cafeteira italiana que sorvia, ora com muito prazer, quando a espuma saia bem, ora com relativo prazer, quando a espuma não passava de uma fina linha encostada ao rebordo da chávena.   Era um calibrador de dia, este seu fino café de cafeteira (...)
19.11.17

Conto #1 Cromo número 32.

Catarina Duarte
  A Maria Luísa chamou Maria Luísa à filha por Maria Luísa ser o nome da sua mãe.   A Maria Luísa neta não gostava do seu nome por não gostar da Maria Luísa avó.   A Maria Luísa avó vestia uma blusa leve, todas as manhãs, quer fossem manhãs de verão, quer fossem manhãs de inverno, quer estivesse calor, quer estivesse frio. As suas mãos eram frias, tais como os seus braços e os seus pés.   O pequeno-almoço da Maria Luísa neta era, quase todas as manhãs, tratado (...)