Todas as noites.
O abrir de uma garrafa tem um barulho próprio, nós sabemos bem qual ele é: começa com a ponta afiada do abre-garrafas a rasgar o involucro que sustém a rolha e termina com a sensação de deleite num copo vazio.
O medo de abrir a garrafa, nela, aumentava, noite após noite, sempre mais um bocadinho.
Quando a casa se vestia de luto, quando os miúdos adormeciam embalados numa tranquilidade que não existia, ela escorregava da cama já quente, percorria descalça o corredor estreito e repetia, sempre acompanhada pela escuridão da cozinha lavada, a dor do vício a esvaziar outra garrafa.
Regressava depois, aconchegada e quente, à cama vazia e pedia sempre: um bocadinho mais de esperança para a noite do dia seguinte.